Wednesday, January 14, 2009

Regras que não põem a mesa

`A medida que nascem mais bebês dentro do meu círculo de amigos, percebo como essas novas crianças, incluindo as minhas, chegam ao mundo já carregadas de sonhos e expectativas.

Os pais de primeira viagem lêem todos os best-sellers sobre crianças para recebê-las—os primeiros meses; como dar banho; como educar; o melhor truque para fazê-los dormir, comer, e brincar para crescerem crianças saudáveis e felizes.

Além disso, esses novos pais têm toda a parafernalha “necessária” para conseguir êxito nas tarefas acima citadas: esterilizador, sacos e sacos de algodão, garrafa térmica (que custa uma fortuna) para deixar água morna sempre ao alcance, porta-fraldas, e por aí vai.

Os que já são pais, recebem o próximo bebê com uma certa autoridade e arrogância de quem tem exímia experiência no assunto. Na maior parte das vezes, esses pais tomam um banho de humildade rapidamente, pois descobrem que tudo o que sabiam e aprenderam com o primeiro filho não serve para o próximo.

Há ainda os pais que fazem parte de um terceiro grupo, que eu gosto de chamar carinhosamente “os certinhos obsessivos compulsivos”. Independentemente se são de primeira, segunda ou multi-viagens, esses pais são amunidos de regras, paranóias, e estatísticas que “provam” que o jeito criam seus filhos é o mais seguro e saudável.

Esses pais normalmente passam ao menos 70% do seu tempo protegendo sua prole de coisas ruins e “perigosas”, vomitam números e termos como índice de morte e causa mortis, e umas das palavras mais usadas em seus vocabulários é “perigo” e “não”, e suas variações.

Seus filhos não comem nada com açúcar, não acordam nem dormem tarde, não comem comida enlatada, não assistem TV, não gostam de muito barulho, não brincam no chão sem tapete ou cobertor para protegê-los de sujeira, não ficam descalços, não colocam nada na boca sem estar esterelizado, não sabem o que é refrigerante, não comem pipoca.

Antes de continuar, saibam que não estou criticando ninguém, acredito que todos os pais—não importa como—sempre fazem o melhor que podem dentro de cada momento de suas vidas.

Bom, estávamos na pipoca, essa coisinha deliciosa, que se for comida com moderação e sem um kilo de manteiga em cima, é uma opção de lanche saudável.

De acordo com o grupo dos pais certinhos; pipoca, amendoim, azeitona e bala não podem ser consumidos por crianças menores de 4 anos pois o risco de engasgo nessa faixa etária é grande—75% dos casos de engasgo em crianças no mundo são devido `a alimentos, segundo a American Academy of Pedriatics (AAP), uma grande amiga e bem possível futura mãe certinha-obsessiva me informou com uma certidão que só os certinhos obsessivos têm.

Como não sigo regras, como meu filho come pipoca desde os quase dois anos, e como fui treinada a duvidar de estatísicas assim, fui em busca de fatos para tentar satisfazer minhas perguntas: Quantas crianças atualmente se engasgam no mundo, já que esses 75% pode ser de 100 casos ou 1,000,000,000. Estes engasgos são fatais? Qual a frequência?

Depois de dois dias de exaustiva pesquisa, telefonemas e senso comum, eis os dados que encontrei:

  1. Em 2000, 160 crianças de 14 anos ou menos morreram devido a engasgos nos Estados Unidos. Destas 160, 41% morreram devido `a comida e 59% devido `a outros objetos, de acordo com o departamento de controle de doenças (Centers for Disease Control--CDC) do país.
  2. Em 2001, 17,537 crianças de 14 anos ou menos foram parar no pronto-socorro devido a engasgos nos Estados Unidos, de acordo com o CDC.
  3. Sessenta porcento de casos de engasgos não fatais são associados `a ingestão de comida nos Estados Unidos, segundo o CDC.
  4. Dos casos de engasgo devido a balas, 25% foram em crianças de 1 a 4 anos Estados Unidos em 2001, segundo o CDC. Engasgos devido `a moedas nesta faixa etária, foram 18% dos casos, também segundo o CDC.
  5. De acordo com a AAP, os seguintes alimentos são considerados perigosos para uma criança menor de 4 anos por facilitarem engasgo: salsicha, qualquer tipo de nozes e sementes, pedacos de carne ou queijo, uvas, balas, pipoca, amendoim, verdura crua, pedaços de fruta, e chiclete.
  6. Nenhuma informação referente a engasgos foi encontrada no banco de dados da Organização Mundial da Saúde, mas vale citar que a causa número 1 de morte infantil no mundo é a desnutrição. Outros fatores que mais afetam a saúde humana e que estão registrados no site da OMS são: tabagismo, alcolismo, nutrição, obesidade e saneamento básico.
  7. Nos Estados Unidos, a causa número 1 de morte de crianças e adolescentes idades entre 1 e 21 anos é acidentes de trânsito. Afogamentos é a segunda causa de morte nessa faixa etária, de acordo com a AAP. Clique aqui para mais informações.

Como ainda não havia me deparado com a informação dada por minha amiga, resolvi ligar para a pediatra dos meus filhos aqui nos Estados Unidos e perguntar se realmente deveria banir da dieta dos meninos os alimentos considerados perigosos pela AAP, segundo citados no item 5 da lista acima.

Ela me informou que não precisaria ser tão radical, pois uma criança de 4 anos ou menos não tem toda a coordenação necessária para a mastigação, portanto ela pode se engasgar com qualquer alimento. Portanto, é preciso estar presente e atento quando crianças estão comendo, seja o que for. “Just use your common sense,” ela conclui.

De acordo com meu bom senso, é claro que não vou dar uma azeitona com caroço para uma criança de três anos; não daria nem para uma de 5 anos, mesmo estando acima da faixa-etária de risco citada pela AAP. Também nunca daria pipoca para um bebê de 1 ano, do mesmo jeito que não daria pedaços inteiros de fruta para uma criança dessa idade.

Proteger meus filhos de perigo e das mazelas da vida não significa um boicote `as pipocas ou ao tanque de areia cheio de bactérias e fungos do parquinho.

Se eu fosse seguir `a risca tudo o que a AAP aconselha, Eduardo, o mais velho, estaria comendo fruta amassada até hoje, seria vegetariano e não saberia o que é comer uma pipoca quentinha vendo seu filme predileto. Se eu fosse basear minha vida em estatísticas, não sairia de carro, muito menos com meus filhos dentro.

Depois desses dois dias de pesquisa e de uma quantidade razoável de leitura sobre o assunto, para mim ficou confirmado que a minha receita na criação dos meus meninos, apesar de ter erros e acertos, tem os ingredientes básicos: pitadinhas de criatividade, colheres de adaptatividade, xícaras de bom senso e baciadas de amor.

E quanto ao Eduardo, 3 anos, ele continua podendo comer sua pipoca ocasional. Agora sob os olhos ainda mais vigilantes dos pais.

No comments: